O jocoso

terça-feira, novembro 22, 2005

Ainda não era um metro de puto mas já ia todo satisfeito comprar hortaliças, este prazer ainda hoje se mantêm, acho que gosto mais das ditas verduras na banca quando estão para venda do que no prato amaciadas pelos vapores.
Nestas viagens pelos comércios tradicionais, que já são parcos de existência, havia uma loja que me prendeu a atenção de forma estranha na altura, tinha sempre um velho muito velho, com muitas rugas e mais rugas, de chapéu de coco, fato velho e gasto, de aromas a tabaco insuportáveis a pouca distância, sempre bem disposto e a sorrir. A loja era grande, pelo menos para mim, tinha duas portas separadas por 2 metros e o velho sentado numa cadeira ainda mais velha, passava o dia inteiro com o verdadeiro e vincado sorriso amarelo a aterrorizar alguns clientes e a divertir solenemente os outros. Era a “loja das pinheiras”, assim se chamava e nunca soube porquê, talvez ali tivessem existido algumas pinheiras a dar sombra de amparo.
Para azar meu, a 1ª vez que lá entro, o velho repara em mim e claro está começa a elaborar um plano para fazer o que melhor sabia, encantar que quisesse ser encantado pela figura que ele representava, só que eu na altura não achei muita piada ao ilustre, eu só vinha a comer uma simples maçã todo satisfeito e o velho vai lembrar-se do quê?
-Ó pequenito, a comer maçã? Isso não presta pá, se queres chegar a velho como eu cheio de saúde tens é de comer cascas de laranja, isso sim é que é bom, tem vitamina.
Pois claro que fiquei caladinho e envergonhado e não disse nada, lá dei mais uma trincadelazita embaraçada por tão fraca manja esta coisa da maçã quando podia estar a fartar as células com as ricas vitaminas oferecidas pela casca da laranja.
Nem é preciso adivinhar que mal cheguei a casa procurei por uma laranja como um bebé desesperado pela mama (ou um adulto pelo par). Assim que a vi, a laranja da minha vida, olhei para ela 1 segundo muito concentrado e desferi uma trincadela de grande abertura com casca e tudo continuando sem parar a mastigar, mal começo a sentir o bolo que se estava a formar na minha boca fico com cara azeda e cuspo aquilo tudo. Começou aqui a minha guerra com o velho, sempre que entrava na loja, lá estava ele sentado a rir, parecia que estava ali sempre à minha espera o dia todo.
-Então pequenote, andas a comer muitas laranjas?He, he, he, cof , cof, hi, hi.
Passado pouco tempo o velho morreu.
Mas sempre que entrava na loja sentia a presença dele entre as portas e sentado na cadeira, ainda hoje quando passo naquela rua junto das portas da “loja das pinheiras”, hoje fechadas, sinto a presença dele a sorrir com os dentes todos sujos e amarelos, agarrado a um cigarro, envolto em fumo e tosse, com o seu ar de perfeito jocoso a atormentar as senhoras que ali iam de cesto debaixo do braço comprar bacalhau e arroz.
Que velho fixe era este, e nem sei o nome.

2 Comments:

Blogger Pedro Nobre said...

Caros amigos,

Apareçam NA ESCURIDÃO DA NOITE, e deixem as vossas mensagens de SOLIDARIEDADE.

Todos juntos em prol do mesmo rumo...

Pedro Nobre ;)

1:05 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

gosto muito deste teu neorealismo
que representa o portugal profundo.

cetes

7:46 da tarde  

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